Seu livro de estréia, “Rua dos Cataventos”, como o próprio nome pode sugerir, é preenchido por tonalidades cotidianas e infantis. Um bom exemplo é o sexto poema.

Rua dos Cataventos VI
Na minha rua há um menininho doente.
Enquanto os outros partem para a escola,
Junto à janela, sonhadoramente,
Ele ouve o sapateiro bater sola.
Ouve também o carpinteiro, em frente,
Que uma canção napolitana engrola.
E pouco a pouco, gradativamente,
O sofrimento que ele tem se evola. . .
Mas nesta rua há um operário triste:
Não canta nada na manhã sonora
E o menino nem sonha que ele existe.
Ele trabalha silenciosamente. . .
E está compondo este soneto agora,
Pra alminha boa do menino doente. . .
(Mário Quintana)
Esse soneto, como tantos outros do livro, é de uma sensibilidade incrível. O operário triste trabalha em homenagem a uma criança enferma. Mais tarde, em entrevista a Edla Van Steen, Quintana afirmaria que essa criança era ele mesmo. Ouso dizer, com a minha ainda parca capacidade de interpretação, que existe um conflito entre o universo infantil e o mundo adulto nesse poema. Temos uma forma toda especial de ver o mundo quando somos crianças e, no processo de envelhecimento, perdemos isso aos poucos.
Note que a percepção lírica dos trabalhadores se dá através do menino enfermo e este, por sua vez, ganha vida com o labor do artífice macambúzio. É importante lembrar que envelhecimento é diferente de amadurecimento — o primeiro tem uma certa carga negativa. Muitos se tornam chatos e pragmáticos quando adultos, preocupando-se apenas com problemas práticos, mas a Poesia está aí para provar que a vida é mais do que isso.
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